19 de jun. de 2008

Correio da Bahia - Entrevista a Osvaldo Lyra

16/06/2008
PINGUE-PONGUE/STALIMIR VIEIRA

‘O eleitor é extremamente severo’




O publicitário Stalimir Vieira defende o respeito à inteligência e à realidade do eleitor. Considera um erro fatal para os candidatos não levarem esses dois pontos à risca, como aconteceu em 2006, na campanha do tucano Geraldo Alckmin à Presidência da República, da qual participou Stalimir Vieira. “Eu trabalhei na equipe de marketing da campanha dele no primeiro turno. E qual foi a gota d’água? Ele conseguiu perder dois milhões de votos recebidos no primeiro turno no segundo. Mas qual foi o erro? A falta de respeito à, realidade, à inteligência do eleitor”, conta o publicitário nesta entrevista exclusiva

concedida ao repórter Osvaldo Lyra, do Correio da Bahia. “Se o Alckmin vinha de um partido que cultuava o ideal da privatização, não poderia mudar da noite para o dia. De uma hora para outra, por entender que aquele discurso confrontava com os ideais do candidato que estava na frente (o atual presidente Lula), ele incorporou princípios estatizantes como bandeira, o que não soava com sentido para as pessoas”, declarou. Stalimir Vieira fala com a autoridade de quem tem 32 anos de profissão, com passagem por agências dentro e fora do Brasil e autor de dois livros. Leia a íntegra da entrevista abaixo.

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CORREIO DA BAHIA - Recentemente, o Tribunal de Justiça de São Paulo condenou o publicitário Duda Mendonça e o então secretário de Comunicação da prefeitura, Antenor Braido, a devolverem R$1,3 milhão aos cofres públicos. Eles são acusados de cometer irregularidades em propaganda da prefeitura de São Paulo. Acontecimentos como esse abalam a credibilidade da sociedade e dos políticos nos marqueteiros?

Stalimir Vieira – Acho que a percepção do trabalho do marketing político vem mudando por parte da população, até porque se tornou um modismo. De repente, a prática do marketing se transformou na grande maestra do destino dos políticos e das eleições. Acho que se iniciou um processo de saturação disso, diante dos excessos e deslumbramentos, que gerou essa situação em que começam a aparecer situações que justificam as intervenções da Justiça. Agora, o mais importante é que a própria percepção da população sobre o assunto mudou. Há um amadurecimento do eleitor. Ele agora pesquisa, com muito mais facilidade, os truques do marketing, avaliando o assunto, inclusive sob uma luz de uma ética própria.

CB – E como o eleitor, peça-chave nessa história, enxerga o político atualmente?

SV – O eleitor tem uma prevenção natural ao político, por tudo que ele já experimentou. A história nos mostra que, de uma maneira geral, havia duas posturas: ou você resistia ou se submetia. Até os dias de hoje ainda vivemos no Brasil a tutela do poder, mas o momento do país agora é de amadurecimento da população. Embora o político esteja viciado e acostumado com a tradição, ele começa a ter uma oportunidade, já que a população cria uma nova expectativa. Ela não tem prevenção contra a política em si, pois ela compreende a necessidade desse escalonamento e dessa formatação, mas, ao mesmo tempo, começa a cobrar e esperar mais dos políticos. Por isso que há uma aposta em novos quadros e novos nomes que possam transformar essa percepção.

CB - O senhor acredita que o trabalho dos marqueteiros contribuiu para a baixa credibilidade do segmento político hoje no país?

SV – Acho que os marqueteiros, de alguma maneira, colaboraram com isso. Até porque, o primeiro momento do trabalho do profissional do marketing é a consonância com a atitude do político, que construía uma imagem, não necessariamente verdadeira. Houve um momento em que o marqueteiro trabalhava em cima de artifícios, tanto que oferecia um mesmo modelo de campanha em várias regiões, com características culturais completamente diferentes. Mas ele estava a serviço com suas técnicas e seus instrumentos em prol desse artificialismo.

CB - Promessas megalomaníacas e artificialidade. Como encontrar a fórmula ideal para se comunicar com o eleitor?

SV – Acredito que estamos vivendo uma transformação nesse momento. Se você fizer uma análise sobre o último pleito municipal, vamos perceber que já foram cassados 3% dos prefeitos eleitos em 2004, o que dá 159 no total. Só no estado do Roraima, um terço dos prefeitos perderam seus mandatos. Numa avaliação recente foi constatado que 36% dos vereadores eleitos no país são considerados despreparados pela baixa escolaridade ou por falta de experiência anterior. Então, já se percebem as conseqüências nefastas de um trabalho de marketing descomprometido com a história, vinculado apenas a uma eleição.

CB - O que fazer para reverter isso? Deve existir um comprometimento ético maior entre os marqueteiros e os políticos na busca pela verdade?

SV – Isso vai muito além do comprometimento ético, que deve ser natural de qualquer cidadão. Eu acho que a expectativa que se tem agora sobre o profissional do marketing é que ele seja um sujeito culto, que ele tenha uma percepção sociológica, socioeconômica e sócio-política do que vai trabalhar, para que não fique restrito a trabalhar a forma. Vejo hoje o marqueteiro muito mais ocupado com a concepção do discurso político. Antes de falar com o candidato, ele deve conhecer a expectativa popular. E isso, não através de uma pesquisa pontual, mas sim de um conceito de expectativas que permeiam todas as populações.

CB - O sucesso de um candidato depende da sua força política, da força de uma coligação, dos ciclos de vontade popular e do marketing. É nessa ordem?

SV – Acho que o sucesso de um candidato está sustentado em uma história respeitável, o que, necessariamente, não precisa ser uma história longa, já que ele pode ser um candidato jovem, mas herdeiro de uma história respeitada, que conseguiu elaborar e traduzir essa tradição em uma versão moderna. Ele tem que fazer alianças ideologicamente construtivas, sem fazer acordos aleatórios, circunstanciais ou oportunistas. E, ao mesmo tempo, ele tem que ser capaz de uma retórica natural e coerente. A forma de falar não tem que ser técnica, em termos de marketing, mas sim direta e convincente.

CB - Na sua opinião, qual é a eficácia da fórmula de marketing que tenta associar emoção e razão num só discurso. Paulo Maluf fez isso em São Paulo, Antonio Imbassahy fez e faz isso em Salvador. Esse modelo não está desgastado?

SV – Esse modelo está desgastado, superado e comete o erro de preservar uma política retrógrada. Tanto o marqueteiro quanto o candidato têm lições importantes, no sentido do esclarecimento e da evolução. Acabou aquele compromisso simples da eleição. O compromisso é com a evolução e, se ele não adere a isso, fica para traz. Acho que a gota d’água nesse tipo de postura foi a eleição presidencial de 2006.

CB - Como um candidato pode chamar a atenção para si e para o seu discurso de forma eficiente?

SV – Principalmente respeitando o eleitor. Ele tem que ter respeito pela inteligência e pela realidade do eleitor. Quando eu citei a eleição de 2006, me referi à eleição de (Geraldo) Alckmin. Eu trabalhei na equipe de marketing da campanha dele, no primeiro turno. E qual foi a gota d’água? Ele conseguiu perder dois milhões de votos recebidos no primeiro turno, no segundo. Mas qual foi o erro? A falta de respeito à realidade, à inteligência do eleitor. Se o Alckmin vinha de um partido que cultuava o ideal da privatização, não poderia mudar da noite para o dia. De uma hora para outra, por entender que aquele discurso confrontava com os ideais do candidato que estava na frente (o atual presidente Lula), ele incorporou princípios estatizantes como bandeira, o que não soava com sentido para as pessoas. Então, você tem que ter respeito pela inteligência das pessoas. Por se tratar de um subproduto do marketing, o marketing político esquece que as pessoas pensam. Por mais que não pareça, ideologia ainda existe. Ela continua sendo um conjunto de crenças que estabelece um compromisso de conduta. Tem eleição em que você entra para ganhar credibilidade e não para vencê-la. Você tem que respeitar essa lógica. Toda vez que você entra numa disputa para o tudo ou nada, a tendência é peder a eleição e a própria credibilidade. Cada novo pleito deve ser a construção de um discurso coerente, que faça sentido para a população e que transmita confiabilidade.

CB - Na verdade, o que realmente funciona em uma campanha política?

SV - O que funciona em uma campanha é você ser natural, verdadeiro, honesto.

CB - As pessoas sentem isso?

SV - É claro que sentem. Por isso que eu digo: toda vez que você procura ser oportunista e nega ideais que vinha guardando, ou que você amplia demais o seu leque, incorporando contradições em sua campanha, você corre riscos altíssimos. Então, não me surpreende que pessoas partam para a disputa e não vençam da primeira vez, nem da segunda, talvez vençam na terceira, porque construíram uma imagem de credibilidade junto à população.

CB - E caso essa imagem não seja colocada em prática, ao assumir o poder, o senhor acredita que a população vá cobrar numa disputa futura?

SV - Não tenha dúvida. O eleitor é extremamente severo, é um patrão muito radical nessas coisas. Ele foi iludido na sua boa-fé, então é uma traição. Trair uma inteligência é tão forte como trair a confiança. Ninguém gosta de ser tratado como um idiota. Portanto, existe a necessidade de ter um amadurecimento cada vez maior quanto ao que se promete e o que se pode cumprir depois. O candidato deve ter um discurso avançado, com uma visão de futuro, com uma cultura abrangente, falando coisas para o eleitor que possa colocar, realmente, em prática.

CB - Como deve ser feito o financiamento das campanhas eleitorais?

SV - Esse é um assunto que vem sendo discutido muito, inclusive sobre a utilização de recursos públicos e privados. Eu ainda acho que deve haver uma redemocratização dos espaços. Todo o mundo tem que ter o direito de se preservar, da maneira mais inteligente, mas, infelizmente, não podemos fazer aqui como se faz nos Estados Unidos, em que quem tem mais recursos leva vantagem. Portanto, acredito que cotas de financiamento com dinheiro público, por pior que pareça, ainda são a solução possível para uma realidade como a brasileira.

CB - A Justiça Eleitoral tem agido cada vez com mais rigor nos processos eleitorais. Há excessos?

SV - Acho que a Justiça Eleitoral tem um papel fiscalizador importante, de filtrar a mensagem. Agora, ela não pode agir como prevenção. Existe um certo preconceito em algumas circunstâncias. Falta uma certa independência da Justiça Eleitoral para olhar sem ter preconceitos e sem se colocar numa atitude de oposição à liguagem política. O que eu quero dizer com isso: em tempos de eleição, se agudiza esse tipo de prevenção, pois tudo é visto como propaganda eleitoral. Se uma prefeitura começa a divulgar os feitos de sua administração, corre o risco de ser retirado do ar, por iniciativa do próprio Ministério Público. Portanto, com eleição ou sem eleição, o mandatário tem obrigação de falar o que está fazendo.

CB - E como encontrar o equilíbrio?

SV - O equilíbrio se dá num olhar independente, técnico.

CB - Esse rigor tem dificultado, inclusive, a captação de recursos para as campanhas...

SV – De fato. O Brasil, infelizmente, praticou muita irresponsabilidade e até bandidagem. Ninguém tinha muito compromisso com nada. E, de uma hora para a outra, simplesmente, se resolveu agir e cumprir a lei. Isso é uma contradição. O cumprimento da lei não é para assustar. Ela existe para que você a respeite. Você pode contribuir, declarar, até porque todo o mundo tem direito a ter seu candidato, seja pessoa física ou jurídica. Então colabore, transparente, de forma cristalina. É só agir dentro da lei.

CB - O senhor diz que não existe frase feita, ou seja, não existem regras básicas a serem aplicadas a todos. O que fazer então em um período pré-eleitoral como esse que estamos atravessando?

SV – Você tem que sentar com seu candidato para discutir aquilo que você nunca discute. Em vez de falar sobre a cor do terno ou o penteado do cabelo, vamos sentar e discutir política. Vamos estimular uma discussão política. Ajudar a construir um discurso com a modernidade, que seja possível de ser colocado em prática. O marqueteiro tem o compromisso sociopolítico muito grande. Tem que acabar com esse mercantilismo e assumir esse papel relevante na sociedade. Se eu vou trabalhar com um candidato, eu vou discutor políticas e não amenidades. Se precisar, contrate um fonoaudiólogo bom de oratória, um bom estilista, mas não deixe essa responsabilidade sobre o marketing de sua campanha.

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