
No ano passado, em conversa com profissionais de comunicação moçambicanos, em Maputo, fiquei sabendo que, certa ocasião, houve um pedido das autoridades do país à Rede Record para que filtrasse a programação que emitia para Moçambique, evitando reportagens e imagens que exaltassem a criminalidade e a violência. Embora muito pobres e também vitimas dos mesmos males que afligem os brasileiros, os moçambicanos ficavam chocados com o tratamento sensacionalista que a televisão brasileira dava aos eventos. Entendiam que essa exposição escandalosa e detalhada da criminalidade funcionava como uma espécie de estímulo e instrução aos jovens e, por isso, não fazia sentido e tinha que ser evitada. Para eles, a violência deveria ser assunto restrito às autoridades encarregadas de reprimi-la e não “produto” para ser vendido como mídia de massa. E o que, enfim, deveria interessar ao cidadão comum seriam as estatísticas relativas ao assunto e as providências e recomendações das autoridades. Ou seja, tratar a questão com gravidade e responsabilidade. Essa atitude me surpreendeu, pensando que vinha de um pais de terceiro mundo, em que a população, em sua imensa maioria, vive em favelas sem a mínima infra-estrutura. Deve ter surpreendido também a direção da rede de televisão que, provavelmente, diante de um pais miserável, apostava no sucesso da exibição escrachada das mazelas sociais, temperadas com muito sangue. No Brasil, o raciocínio não é muito diferente: quanto mais nos afastamos dos grandes centros, menos refreamos a apelação às imagens chocantes de sangue como instrumento de captação de audiência. Somos estimulados por números alentadores. É verdade que a grande maioria das pessoas é atraída por esse tipo de programação, engordando os índices de audiência. Como, diga-se de passagem, essas mesmas pessoas, em sua quantidade e qualidade, também são atraídas pelo padrão de mediocridade comportamental de um Big Brother Brasil da Rede Globo, por exemplo, versão pretensamente sofisticada de uma programação igualmente danosa. Se num caso faz-se a apologia da violência, no outro, faz-se a apologia da vulgaridade. Movidos por números (e não por idéias), os veículos de televisão comercial são presas de uma equação perversa que combina quantidade de audiência “desqualificada” com pulverização de espaços comerciais baratos ao longo da programação. Os custos de mídia em televisão, notadamente fora do eixo Rio-São Paulo, vêm caindo expressivamente ao longo dos anos por isso mesmo: estão valendo cada vez menos. Trata-se, sem dúvida, de uma estratégia suicida. A reversão dessa tendência depende, definitivamente, de uma ação simultânea em três frentes: a intervenção do governo no controle das programações; o amadurecimento dos critérios dos anunciantes e o aperfeiçoamento educacional das populações. Mas a realidade é que nada disso está acontecendo. As ações do governo, sempre tímidas e previamente culpadas, esbarram no corporativismo esperto da mídia. Os anunciantes, por sua parte, preferem, malandramente, aproveitar o momento para pagar menos. E a educação das populações ainda está muito longe de competir com a força da televisão. O único sinal positivo que nós temos é o fato estar sendo tratado, aqui e ali, como ocorre agora na Paraíba. Isso é bom, embora, como sempre, por aqui as coisas sempre carreguem um certo ranço político. Uma observação superficial já identifica, com certa facilidade, de um lado a Rede Paraíba, o governo Cássio Cunha Lima e o cardeal-arcebispo Dom Aldo Pagotto, tradicionalmente afinados. E de outro, o Sistema Correio, o grupo político do senador José Maranhão e a Igreja Universal. Não por acaso, aliás, Roberto Cavalcanti, proprietário do Sistema Correio, prestigiou a inauguração do templo da Universal em João Pessoa, na mesma semana em que Pagotto tecia críticas severas às práticas da igreja do bispo Macedo.