28 de mar. de 2007

É disso que o povo gosta?


No ano passado, em conversa com profissionais de comunicação moçambicanos, em Maputo, fiquei sabendo que, certa ocasião, houve um pedido das autoridades do país à Rede Record para que filtrasse a programação que emitia para Moçambique, evitando reportagens e imagens que exaltassem a criminalidade e a violência. Embora muito pobres e também vitimas dos mesmos males que afligem os brasileiros, os moçambicanos ficavam chocados com o tratamento sensacionalista que a televisão brasileira dava aos eventos. Entendiam que essa exposição escandalosa e detalhada da criminalidade funcionava como uma espécie de estímulo e instrução aos jovens e, por isso, não fazia sentido e tinha que ser evitada. Para eles, a violência deveria ser assunto restrito às autoridades encarregadas de reprimi-la e não “produto” para ser vendido como mídia de massa. E o que, enfim, deveria interessar ao cidadão comum seriam as estatísticas relativas ao assunto e as providências e recomendações das autoridades. Ou seja, tratar a questão com gravidade e responsabilidade. Essa atitude me surpreendeu, pensando que vinha de um pais de terceiro mundo, em que a população, em sua imensa maioria, vive em favelas sem a mínima infra-estrutura. Deve ter surpreendido também a direção da rede de televisão que, provavelmente, diante de um pais miserável, apostava no sucesso da exibição escrachada das mazelas sociais, temperadas com muito sangue. No Brasil, o raciocínio não é muito diferente: quanto mais nos afastamos dos grandes centros, menos refreamos a apelação às imagens chocantes de sangue como instrumento de captação de audiência. Somos estimulados por números alentadores. É verdade que a grande maioria das pessoas é atraída por esse tipo de programação, engordando os índices de audiência. Como, diga-se de passagem, essas mesmas pessoas, em sua quantidade e qualidade, também são atraídas pelo padrão de mediocridade comportamental de um Big Brother Brasil da Rede Globo, por exemplo, versão pretensamente sofisticada de uma programação igualmente danosa. Se num caso faz-se a apologia da violência, no outro, faz-se a apologia da vulgaridade. Movidos por números (e não por idéias), os veículos de televisão comercial são presas de uma equação perversa que combina quantidade de audiência “desqualificada” com pulverização de espaços comerciais baratos ao longo da programação. Os custos de mídia em televisão, notadamente fora do eixo Rio-São Paulo, vêm caindo expressivamente ao longo dos anos por isso mesmo: estão valendo cada vez menos. Trata-se, sem dúvida, de uma estratégia suicida. A reversão dessa tendência depende, definitivamente, de uma ação simultânea em três frentes: a intervenção do governo no controle das programações; o amadurecimento dos critérios dos anunciantes e o aperfeiçoamento educacional das populações. Mas a realidade é que nada disso está acontecendo. As ações do governo, sempre tímidas e previamente culpadas, esbarram no corporativismo esperto da mídia. Os anunciantes, por sua parte, preferem, malandramente, aproveitar o momento para pagar menos. E a educação das populações ainda está muito longe de competir com a força da televisão. O único sinal positivo que nós temos é o fato estar sendo tratado, aqui e ali, como ocorre agora na Paraíba. Isso é bom, embora, como sempre, por aqui as coisas sempre carreguem um certo ranço político. Uma observação superficial já identifica, com certa facilidade, de um lado a Rede Paraíba, o governo Cássio Cunha Lima e o cardeal-arcebispo Dom Aldo Pagotto, tradicionalmente afinados. E de outro, o Sistema Correio, o grupo político do senador José Maranhão e a Igreja Universal. Não por acaso, aliás, Roberto Cavalcanti, proprietário do Sistema Correio, prestigiou a inauguração do templo da Universal em João Pessoa, na mesma semana em que Pagotto tecia críticas severas às práticas da igreja do bispo Macedo.

2 comentários:

Unknown disse...

A discussão sobre a ação do Ministério Público, neste caso, não deve jamais ser abordada pelo lado do juízo de gosto, da moralidade ou dos "bons" costumes.

O juízo, neste caso, deverá ser exclusivamente de mérito!

Lembremos, por exemplo, do movimento encabeçado por órgãos representativos dos jornalistas contra a proibição, na Inglaterra, da exibição de cenas de violência em sites de internet, onde os próprios autores gravavam e postavam o espancamento de suas vítimas.

A justiça utilizou como argumento principal que a divulgação das imagens seria, na verdade, o principal elemento motivador das ações criminosas. Ou seja, eles só eram violentos por causa do Youtube!

Sem querer entrar nessa discussão, cito a posição dos maiores sindicatos e associações de jornalistas do Reino Unido, União Européia e outros países, que prontamente divulgaram notas de repúdio, afinal a decisão também poderia servir para impedir jornalistas de mostrarem em suas reportagens cenas de abusos, violência ou até manifestações públicas que envolvessem confrontos violentos.

Citado o caso, coloco minha opinião:

Não há que se considerar se as imagens exibidas pelos programas da TV Correio são de bom ou mau gosto, se afrontam a integridade das vítimas ou algozes, se provocam mal estar, insônia, enjôo, fastio, risos ou choro. Isso deve ser decidido pelo telespectador, cotidianamente, e pela justiça em casos específicos, mas só após a alegada transgressão e como forma de reparar algum dano que venha a ser causado (Ex.: corpo do pai mostrado na tv que causou trauma psicológico em familiar).

O que deve ser discutido neste caso é a completa afronta da decisão à LIBERDADE DE IMPRENSA, protegida pela Constituição brasileira.

A TV Correio está sendo penalizada, como minoria entre as empresas, pela sua maioria entre o público. Como bem disse Nildo na matéria, nós, telespectadores, temos o maior poder diante de todas as emissoras: o controle remoto (ou o seletor, para os mais pobres). O que não nos pode ser negado, em nenhuma hipótese, é o DIREITO DE ESCOLHA.

Será que não corremos todos para a frente da TV quando ouvimos o William Bonner alardear: - Menina de dezessete anos é baleada no pátio da universidade! (ao mesmo tempo em que aparecem imagens da menina estirada no chão, cercada de colegas, com uma poça de sangue sob seu corpo) ?

As cenas exibidas no Correio Debate não são ficção. Não é como se uma emissora decidisse exibir “Cidade de Deus” na hora do almoço, o que seria, talvez, impróprio. No caso do jornalismo isso não pode e nem deve existir! Já pensou se a justiça proibisse a exibição de cenas de tiroteio, prisões, violência urbana, desastres aéreos, automobilísticos ou naturais e outras não menos chocantes antes das 22h? O que seria do Jornal Nacional e todos os demais?

Alguns devem estar pensando: mas isso não vai acontecer nunca!

A resposta mais lógica é que isso não irá acontecer enquanto a COMPLETA liberdade de expressão for mantida e, sobretudo, DEFENDIDA pela população e PELOS ÓRGÃOS DE COMUNICAÇÃO E REPRESENTATIVOS DOS JORNALISTAS.

Não estou aqui defendendo a TV Correio, pois não tenho nenhum motivo para isso, mas condeno a postura dos demais veículos, que agiram por interesse comercial e em nenhum momento pensaram no bem estar da população. O que não preciso dizer, pois eles sabem muito bem, é que um dia eles poderão ser a minoria e, por conseqüência, as vítimas de uma arbitrariedade semelhante.

Porque não se uniram todos para veicular uma campanha de âmbito estadual contra a violência crescente no estado, utilizando, inclusive, nos comerciais, as imagens do arquivo da TV Correio?
Tenho certeza que uma ação deste tipo pode surtir efeitos bem mais benéficos e imediatos...

As imagens devem ser exibidas, não porque eu queira vê-las, mas porque eu TENHO O DIREITO DE ESCOLHER NÃO VÊ-LAS!

Unknown disse...

PS.: O comentário anterior foi postado no blog jornalismoparaibano, do estudante de jornalismo - citado - Nildo Ferreira.

http://www.jornalismoparaibano.blogspot.com/